Quando o tônus encontra um equilíbrio. Ou…Equilibrar-se pra quê?

A pratica eutônica

Na Eutonia, costuma-se, em geral, iniciar uma aula na posição deitada e em imobilidade. Observa-se que é nos estados de maior apaziguamento físico e mental que se consegue melhor despertar e vivenciar a experiência da vida que flui em nosso corpo. Desse estado silencioso, meditativo acaba aflorando, cedo ou tarde, a faculdade de sentir e observar; de perceber, investigar e tomar consciência das demandas e necessidades do próprio corpo.

À medida em que se consiga estabelecer a presença em si – pensamentos, sentimentos e sensações; memórias, imagens e devaneios –, o tônus do momento pode emergir em nossa consciência de vigília e, muitas vezes buscar um equilíbrio a partir de uma auto regulação (nos espreguiçamentos, suspiros, bocejos…; nos movimentos involuntários do corpo).  Ou simplesmente se apresentar como um desconforto ou distúrbio a ser cuidado dentro do trabalho eutônico. 

O tônus muscular

Tônus muscular é o estado de tensão elástica (pequena contração) que apresenta o músculo em repouso e que lhe permite iniciar a contração rapidamente após o impulso dos centros nervosos. O tônus mantém o músculo preparado para a ação e é causado pela estimulação nervosa podendo estar em hiper (a mais), hipo (a menos) ou atonia (sem tônus). Existe, assim, um tônus de base, onde a atividade muscular é constante mesmo quando o corpo permanece na imobilidade, mesmo quando dormimos (no sono REM, por exemplo, há um máximo de relaxamento muscular e apenas os olhos e a musculatura da respiração permanecem ativos).

O tônus é mais

Por estar ligado à ativação neuronal, o tônus está, evidentemente, também associado às nossas dinâmicas mentais, emocionais e psíquicas.  Portanto, quando falo em tônus, aqui, não me remeto apenas ao tônus físico, mas também às outras camadas de nós. Na ansiedade, por exemplo, o tônus fica elevado tornando-se difícil ficar na imobilidade (as insônias acontecem quando estamos ansiosos…). De outro lado, nos estados depressivos o tônus fica muito baixo o que dificulta a saída de uma posição de imobilidade, desabamento do corpo.

Assim, quando em uma prática de Eutonia, vivenciamos a imobilidade do corpo (em um estado de descanso alerta, ativo) e intencionamos  a entrega do corpo deitado ao chão, algo bastante interessante e às vezes surpreendente pode vir à tona. De repente, podemos passar a reconhecer uma tensão ou tônus de base que, com o desenrolar das práticas, pode vir acompanhada de uma percepção cada vez mais refinada e sensível  de suas flutuações ou fixações –  flutuações  ou fixações  associadas tanto aos estados físicos, emocionais e mentais quanto à intensidade tônica singular de cada uma de nossas ações cotidianas (pois algumas ações, sem dúvida, exigem tônus mais altos do que outras).

Apoderar-se de si

E de repente me percebo apoderando-me cada vez mais de meu corpo. Adquiro uma consciência maior do tônus em suas mais variadas gradações e um domínio maior das flutuações tônicas. Tomo consciência das fixações tônicas e permito mais e mais a flutuação das tensões-emoções-pulsões de acordo com a singularidade de cada ação realizada, de cada situação.

Equilíbrio?

E o equilíbrio? Diria que é a capacidade de deixar flutuar o tônus. É a aprendizagem e o caminhar na corda bamba. Quando apoderados e apoderadas de nossos próprios corpos – potência em ação – é assim que caminhamos pela vida. Somos equilibristas. Lembro de um trecho de Um sopro de vida de Clarice Lispector em que ela se refere a um “desequilibrio equilibrado”. “Às vezes acontece um desequilíbrio equilibrado como numa gangorra: uma hora está encima, uma hora está em baixo… Sim! O desequilíbrio da gangorra é precisamente o seu equilibrio.

Mas…Equilibrar-se pra quê, mesmo?

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