Equilibrar-se pra quê?

Dando continuidade à matéria anterior, “Quando o tônus entra em equilíbrio. Ou equilibrar-se pra quê?“, questiono-me sobre o grau de importância em atingir uma zona de equilíbrio. Reconheço que o encontro do caminho do meio e de uma zona de equilíbrio – um caminhar pelo mundo afora seguindo por uma rota central, bem como gravitando em torno do meio sem me fixar nos limites – torna-me mais apta a responder aos inúmeros desafios que a vida me traz. Minha experiência de vida, minha experiência como eutonista e educadora somática mostra que a fixação nos pontos extremos pode ser perigosa e ameaçar meu bem-estar: pode me fazer desabar (na fixação em hipotonia) ou enrijecer (na fixação em hipertonia), lançando-me água abaixo, encolhendo minha visão, sugando minha lucidez e domínio de mim.

Sim! Importa equilibrar o tônus. Mas a busca e alcance do caminho do meio, das faixas onde o tônus oscila em equilíbrio, é um desafio.

Mas o que é mesmo o tônus? Qual a diferença entre tônus e força muscular?

O tônus muscular é a tensão muscular involuntária presente no corpo mesmo em estado de repouso. É a permanência da musculatura em um estado de alerta constante – em estado de pré-aquecimento -, pronta para agir. O tônus muscular é um estado basal, com influência direta sobre o alinhamento postural e a fluidez de gestos e movimentos, o estado emocional e a qualidade de vida.

A força muscular, de outro lado, é a capacidade de uma estrutura muscular exercer tensão contra uma superfície ou volume fora ou dentro do corpo.

Tônus muscular e força muscular agem em sinergia. Um tônus muscular adequado facilita o relaxamento, a contração muscular e a geração de força. E certas alterações no tônus podem comprometer a realização de movimentos, a força e função muscular, a relação do corpo com a força da gravidade.

O tônus, contudo, não é apenas muscular; é a expressão de nossa vitalidade, o modo como nos relacionamos com o mundo e conosco mesmos. É como um termômetro de nosso estado físico e emocional. É como o fio condutor que conecta corpo, mente e emoções.

As flutuações do tônus

O equilíbrio vem junto com o alcance de um tônus justo – justo quando em consonância com as flutuações de nossas vidas.

Nossas vidas flutuam e o tônus insiste em flutuar. Essa oscilação é vital para que consigamos dar conta das inúmeras situações que a vida nos coloca – em certos momentos precisamos sustentar tônus altos, como numa competição esportiva por exemplo; em outros, como quando dormimos, é preciso atingir um tônus muito mais baixo para conseguir um sono reparador. E assim, no dia a dia, o tônus vai se revelando e manifestando em suas gradações as mais variadas.

Tônus e sistema nervoso

Atente que a dinâmica tônica está intimamente ligada à atividade do sistema nervoso autônomo – sistema nervoso simpático e parassimpático – o qual é responsável pela regulação das funções involuntárias do corpo, como a frequência cardíaca, a digestão, a respiração e o próprio tônus.

Assim, em uma dança entre os sistema neuronal e muscular, a relação de transmissão e recepção de informações entre eles, pelas vias nervosas, acaba resultando em determinadas gradações tônicas dependendo de cada uma das circunstâncias do dia a dia. Em geral, os ritmos, pulsações e tônicas arranjam-se involuntariamente – chegam como respostas espontâneas às situações com as quais nos deparamos. Essas respostas vêm associadas ao repertório de cada um. Se estiver ansiosa, por exemplo, responderei a uma situação desafiante de um modo; se estiver confiante e segura responderei, a essa mesma situação, de outra forma. É precisamente aqui que a consciência da dinâmica tônica pode ajudar a tornar a vida mais leve, mais criativa, mais sábia. Pois ao expandir a percepção sobre as gradações do tônus abro a possibilidade de interferir em algo que é inato e, muitas vezes, inacessível.

Tônus e Eutonia

Em meu trabalho com a Eutonia – ou no papel de educadora ou de aluna – sinto que quando atinjo um nível de abertura de consciência que toca a integralidade do corpo, o tônus emerge e floresce em sua tonalidade e intensidade. Conecto-me, então, com as várias expressões tônicas: o tônus da fala, do olhar, da pele, do músculo, do gesto, da emoção. Alcanço e tomo consciência do tônus em suas gradações e descubro as vias de acesso à inteligência inata dentro de mim.

Porém, tomar consciência e atingir um tônus justo, equilibrado, flexível, flutuante e não fixado, não é uma tarefa fácil. Também não é fácil sustentar esse nível de foco e atenção. As circunstâncias da vida insistem em nos tirar do foco e do caminho do meio. E dependendo das respostas dadas podemos, de súbito, cair na armadilha da fixação tônica e nos aprisionarmos em nós mesmos.

A eutonia, contem um repertório que fornece os recursos para despertar a consciência tônica, ativar as flutuações do tônus (a variação tônica em tônus alto, médio ou baixo) e alcançar um equilíbrio correspondente a cada situação ou desafio. Não importa que não consigamos sustentar esse nível de atenção durante todo o tempo, mas sim conseguir mobilizá-lo quando necessário.

Encontrando minha harmonia, ritmo e melodia

Não se trata apenas de eliminar as fixações tõnicas mas de encontrar as faixas justas dentro das quais as variações tônicas acontecem. Se abaixar muito o tônus, em uma competição esportiva por exemplo, serei eliminada, mas se elevar muito o tônus a ponto de bloquear alguns movimentos também serei eliminada. Caberia então encontrar, em cada experiência, uma zona de equilíbrio em cada uma das faixas de variação tônica. Sim! É um desafio e tanto! Mas possível de ser superado, a cada momento, utilizando recursos tais como os da respiração, estabelecimento da presença no aqui e agora, contato consciente consigo e com o ambiente externo, expansão dos espaços internos do corpo, etc.

A palavra eutonia significa “bom e justo tônus”. A eutonia busca calibrar o tônus e resgatar as flutuações tônicas. Como eutonista e educadora somática, sinto o tônus como se fosse uma corda de violão. Afinar o tônus é afinar a corda e portanto preparar esse instrumento musical para tocar uma melodia de forma harmoniosa. Ao afinar a corda, afino a mim mesma. E esse afinamento, refinamento depende de uma abertura de consciência para o que se passa em meu interior: o sentir e reconhecer as gradações tônicas a cada instante e saber como alterá-las quando necessário (intervir sobre o que é involuntário em mim!). Depende do contato consciente comigo mesma e com o outro.

Afinar o tônus é encontrar o tom, a tonalidade, o ritmo, a melodia, a poesia. Minha tonicidade contagia o outro; o outro me contagia com a sua tonicidade. Eu sou a afinadora, a compositora e a executora de uma obra sinfônica. E de repente me percebo como uma maestrina conduzindo a sinfonia de minha vida; sinto-me vivendo a vida como uma grande obra de arte. Observo…

Eu sou Arte. Eu sou Poesia.

Referências Bibliográficas

Alexander, Gerda – Eutonia : um caminho para a percepção corporal. São Paulo.  Ed. Martins Fontes.

Gainza, Violeta Hemsy – Conversas com Gerda Alexander, vida e pensamento da criadora da Eutonia– Ed. Summus.

Para uma definição atual da eutonia, a partir da idéia de que é uma prática corporal que visa a harmonização do tônus, gosto do artigo de Bortolo, Maria Thereza – “Eutonia, a busca da flexibilidade tônica” – publicado no site da Associação Brasileira de Eutonia.

Foto: Isadora Duncan https://pin.it/7gMqVnUVM Pinterest