Regina Devescovi

Quando o tônus encontra um equilíbrio. Ou…Equilibrar-se pra quê?

A pratica eutônica

Na Eutonia, costuma-se, em geral, iniciar uma aula na posição deitada e em imobilidade. Observa-se que é nos estados de maior apaziguamento físico e mental que se consegue melhor despertar e vivenciar a experiência da vida que flui em nosso corpo. Desse estado silencioso, meditativo acaba aflorando, cedo ou tarde, a faculdade de sentir e observar; de perceber, investigar e tomar consciência das demandas e necessidades do próprio corpo.

À medida em que se consiga estabelecer a presença em si – pensamentos, sentimentos e sensações; memórias, imagens e devaneios –, o tônus do momento pode emergir em nossa consciência de vigília e, muitas vezes buscar um equilíbrio a partir de uma auto regulação (nos espreguiçamentos, suspiros, bocejos…; nos movimentos involuntários do corpo).  Ou simplesmente se apresentar como um desconforto ou distúrbio a ser cuidado dentro do trabalho eutônico. 

O tônus muscular

Tônus muscular é o estado de tensão elástica (pequena contração) que apresenta o músculo em repouso e que lhe permite iniciar a contração rapidamente após o impulso dos centros nervosos. O tônus mantém o músculo preparado para a ação e é causado pela estimulação nervosa podendo estar em hiper (a mais), hipo (a menos) ou atonia (sem tônus). Existe, assim, um tônus de base, onde a atividade muscular é constante mesmo quando o corpo permanece na imobilidade, mesmo quando dormimos (no sono REM, por exemplo, há um máximo de relaxamento muscular e apenas os olhos e a musculatura da respiração permanecem ativos).

O tônus é mais

Por estar ligado à ativação neuronal, o tônus está, evidentemente, também associado às nossas dinâmicas mentais, emocionais e psíquicas.  Portanto, quando falo em tônus, aqui, não me remeto apenas ao tônus físico, mas também às outras camadas de nós. Na ansiedade, por exemplo, o tônus fica elevado tornando-se difícil ficar na imobilidade (as insônias acontecem quando estamos ansiosos…). De outro lado, nos estados depressivos o tônus fica muito baixo o que dificulta a saída de uma posição de relaxamento.

Assim, quando em uma prática de Eutonia, vivenciamos a imobilidade do corpo e intencionamos  a entrega do corpo deitado ao chão, o que pode vir à tona é a tomada de consciência de uma tensão ou tônus de base que, com o desenrolar das práticas, pode vir acompanhada de uma percepção cada vez mais refinada e sensível  de suas flutuações ou fixações –  flutuações  ou fixações  associadas tanto aos estados físicos, emocionais e mentais quanto à intensidade tônica singular de cada uma de nossas ações cotidianas (pois algumas ações, sem dúvida, exigem tônus mais altos do que outras).

Apoderar-se de si

E de repente me percebo apoderando-me cada vez mais de meu corpo. Adquiro uma consciência maior do tônus em suas mais variadas gradações e um domínio maior das flutuações tônicas. Tomo consciência das fixações tônicas e permito mais e mais a flutuação das tensões-emoções-pulsões de acordo com a singularidade de cada ação realizada, de cada situação.

Equilíbrio?

E o equilíbrio? Diria que é a capacidade de deixar flutuar o tônus. É a aprendizagem e o caminhar na corda bamba. Quando apoderados e apoderadas de nossos próprios corpos – potência em ação – é assim que caminhamos pela vida. Somos equilibristas. Lembro de um trecho de Um sopro de vida de Clarice Lispector em que ela se refere a um “desequilibrio equilibrado”. “Às vezes acontece um desequilíbrio equilibrado como numa gangorra: uma hora está encima, uma hora está em baixo… Sim! O desequilíbrio da gangorra é precisamente o seu equilibrio.

Mas…Equilibrar-se pra quê, mesmo?

Foto: https://pin.it/6qrSLy4aG Pinterest

Algumas palavras sobre as dinâmicas de educação do movimento e coordenação motora

As duas principais inspirações de meu trabalho em educação do movimento vem de um método criado pela osteopata e fisioterapeuta belga Godelieve Denys-Struyf e de uma proposta de desenvolvimento motor formulada pelas fisioterapeutas francesas Marie-Madeleine Béziers e Suzanne Piret.

  • O que é o Método Cadeísta GDS?

Com Madame Godelieve aprendi a ler o que o corpo diz e a encontrar o terreno de predisposições. O método das cadeias musculares e articulares GDS traz as pistas para uma leitura psicocomportamental a partir das formas do corpo e da orientação postural – ou seja, a partir da investigação do grau de ativação e de tensão de certas cadeias musculares. Essas pistas vão revelando, no decorrer de uma série de sessões, informações sobre a constituição inata de cada um e sobre aquilo que resultou dos conteúdos adquiridos no decorrer da existência do indivíduo. A combinação dessas duas categorias de informação irá circunscrever um terreno de potencialidades, tendências e predisposições que será então trabalhado de acordo com as singularidades e auto descobertas de cada um.

  • Um pouco sobre o método de coordenação motora de Piret&Béziers

Com Madame Béziers aprendi que o corpo em movimento segue um princípio de organização fundamental que modela nossa anatomia – gestos e movimentos de base, anatômicos e também adquiridos modelam o formato de nossos corpos. Aqui, a motricidade humana é vista de uma forma integrada – a dinâmica do movimento, em sua coordenação ou descoordenação, é apreendida em organismos dotados de forma, volume, espaços internos e externos, contornos. A busca é a de resgatar o movimento fundamental, respeitadas as particularidades de cada um, e construir novas possibilidades de movimento – mais harmônicas, integradas, saudáveis.

  • Como são as sessões?

As sessões desdobram-se em diálogos verbais e não verbais, harmonização das tensões musculares, manobras, gestos e movimentos.

Ambas abordagens corporais buscam desenvolver a consciência corporal e a habilidade de realizar movimentos de forma eficiente e saudável, numa dinâmica de reconhecimento dos desequilíbrios posturais e biomecânicos que tendem a causar dores e desconfortos físicos. Ademais, ajudam no aprimoramento da postura, da coordenação motora e da habilidade em realizar atividades diárias. Por último e não menos importante, a combinação das duas abordagens pode beneficiar pessoas de todas as idades e níveis de condicionamento físico, podendo ser utilizada como uma técnica complementar a outras terapias ou como uma prática autônoma para promoção do bem-estar físico e emocional.

O que é Eutonia

A Eutonia é uma pedagogia de conscientização corporal que envolve o equilíbrio, a regulação do tônus. Pode ser praticada em sessões individuais ou em grupo, e pode ajudar a harmonizar a postura estática e dinâmica, a respiração e a mobilidade. Pode também ajudar na prevenção e no tratamento de doenças físicas e mentais.

Este método pedagógico e terapêutico foi desenvolvido nos anos 30/40 do século passado por Gerda Alexander. Gerda nasceu em 1908, na Alemanha e cresceu em uma família que cultivava a música, a dança, as artes em geral. Decidiu, desde cedo, seguir os estudos no campo das artes, da música, da dança, do movimento. Porém, aos 16 anos sofreu uma violenta febre reumática que resultou em uma grave doença cardíaca – a endocardite. Aconselhada pelos médicos, ela deveria movimentar-se o mínimo possível para preservar seu ritmo cardíaco e sua respiração; do contrário, seu coração não resistiria. Essa orientação médica levou-a a criar formas de movimento que lhe possibilitassem um gasto mínimo de energia, o que resultou no início da construção de um método pedagógico, terapêutico e de cuidado corporal voltado a busca do uso adequado do tônus muscular na ação cotidiana. Assim, nascia a Eutonia.

Em 1940, já morando na Dinamarca, fundou em Copenhagen a escola onde desenvolveu sua pesquisa baseada na qualidade do movimento com economia de esforço e uso adequado do tônus muscular nas mais variadas situações cotidianas. Em 1957 o método foi por ela denominado de Eutonia. A palavra eutonia – palavra de origem greco-latina – significa tensão em equilíbrio; harmonia entre as tensões que coexistem no corpo (do grego eu: bom, harmonioso e do latim tônus: tensão).

Segundo Gerda Alexander:

…existem várias maneiras de definir o tônus, segundo diferentes autores e disciplinas…Os psicofisiológicos definem o tônus como “a atividade de um músculo em repouso aparente”…O tônus encontra-se em todo organismo vivo e tem, em condições ideais, um nível homogêneo em todo o corpo. Aumenta com a atividade e diminui com o repouso. Todos sabemos que uma criança parece mais pesada de ser levantada dormindo do que estando acordada. Seu peso real continua inalterado, porém a densidade do corpo se altera de acordo com o nível de tônus. É preciso mais energia para movimentar um corpo mole e relaxado do que um outro tenso e tonificado. (Eutonia: um caminho para a percepção corporal. 1983, 12).

Um dos principais benefícios da Eutonia é a promoção de ajustes musculares. Esse método orienta o aluno/paciente a reconhecer as tensões musculares excessivas ou insuficientes e a trabalhar em sua regulação, o que pode reduzir dores e desconfortos musculares. Ademais, baseia-se na ideia de que o corpo humano tem a capacidade de se autorregular e de encontrar seu próprio equilíbrio desde que tenha condições adequadas para isso.

A disciplina consiste em uma série de exercícios, toques ou auto-toques e práticas que despertam e desenvolvem a percepção corporal e a consciência das tensões e seus desequilíbrios: tato consciente; consciência dos ossos; espaço interno e volume corporal; contato consciente consigo mesmo e com o outro; reflexo postural; movimento eutônico.

Mas, para além do tônus muscular, as vivências eutônicas contemplam também camadas mais profundas do ser humano; camadas que tocam o tônus mental e psíquico. Nas palavras de Gerda:

A Eutonia propõe uma busca, adaptada ao mundo ocidental, para ajudar o homem de nosso tempo a alcançar uma consciência mais profunda de sua realidade corporal e espiritual, como uma verdadeira unidade. Convida-o a aprofundar essa descoberta de si mesmo sem se retirar do mundo, mas ampliando sua consciência cotidiana, permitindo-lhe liberar suas forças criadoras, possibilitando-lhe um melhor ajustamento a todas as situações de vida e um enriquecimento permanente de sua personalidade e de sua realidade social. (Eutonia: um caminho para a percepção corporal. 1983, 9).

A Eutonia pode ser praticada por qualquer pessoa, independente da idade ou habilidade física. Pode ser praticada em casa ou em um ambiente de ensino e/ou terapia, e pode ser uma alternativa ou um complemento a outros tratamentos médicos. Se está procurando uma maneira de melhorar sua saúde e bem-estar, esse método sempre será uma opção viável e eficaz para você.


Algumas Reflexões e Insights no “Reflexões”

Como terapeuta transpessoal, eutonista e educadora do movimento, passei anos me trabalhando e trabalhando com pessoas que desejam melhorar a qualidade de suas vidas – seja através da consciência corporal, gestual e motora; seja através do diálogo e da meditação. Algo que aprendi e continuo aprendendo é que as auto-descobertas sobre a integração corpo-mente são fundamentais para a saúde e o bem-estar.

O grau de consciência de que somos uma totalidade composta de várias camadas – desde as mais sutis até as mais densas – reflete-se na relação de nossos pensamentos e sentimentos com as sensações, bem como no modo como lidamos com o auto cuidado e com a percepção e organização do corpo no espaço. O grau e tipo de interação entre as várias camadas de nós mesmos desempenham um papel crucial na forma como nos sentimos, pensamos e nos comportamos. Sustentar a consciência dessa dinâmica em nossas vidas cotidianas resulta em corpos mais harmônicos, equilibrados e auto-regulados e, consequentemente, no desenvolvimento da capacidade de expressar nossos pensamentos, sentimentos e necessidades com mais autenticidade e espontaneidade.

Em minha experiência, percebo que os desdobramentos do contato consciente com o corpo são: mais saude e bem-estar, e maior criatividade e perspicácia para lidar com os desafios que a vida nos apresenta.

Após uma sessão, após uma vivencia, sinto que o trabalho permanece ao longo do dia: manifesta-se numa fala mais sensível, num encontro mais aberto e verdadeiro, num olhar mais amoroso diante de uma situação, num modo mais atento e cuidadoso de como vou criando a minha realidade. O trabalho revela-se mesmo que não seja chamado: resvala pelos poros e insinua-se nos detalhes. Simplesmente acontece.

E então, vou me percebendo deixar fluir na vida, sem resistência, caminhando mais desperta rumo ao desconhecido.