Da experiência do corpo dançante à consciência do mundo invisível

E sigo…observando, sentindo, decantando, descobrindo, iluminando, integrando….

Observando e Sentindo

Após ter dissolvido as tensões excessivas que teimam em se fixar em determinados lugares (em mim nos ombros e no pescoço), todo o corpo se integra. Tecidos, em suas várias camadas, fluidos corporais e correntes de força conectam-se entre si, como que em uma dança feita entre vários solistas: trocas, rodopios e movimentos espiralados. Os excessos de tensão localizada distribuem-se pelos espaços interiores e o tônus alcança um equilíbrio dinâmico – caminhos internos iluminam-se; correntes de força transmutam-se em elegância; espaços internos alargam-se, movimentos internos ganham em plasticidade.

Sinto que é preciso distribuir os excessos para, então, atingir uma outra qualidade tônica. Essa qualidade me remete a um estado alterado de consciência.

Decantando e Descobrindo

A distribuição dos excessos costuma conduzir-me a uma percepção de descanso nos “vazios” do espaço interior e a um sentimento de segurança. O corpo revela-se, então, como uma sustentação, um refúgio, um colo. Na posição deitada, descanso em meu corpo. E entregue à força da gravidade, conecto-me à terra. Através da fisicalidade de meu corpo, surpreendo-me acolhida no colo de meu corpo, acolhida no colo da terra. Ergo-me: continuo ancorada à terra e conectada ao eixo vertical.

Sinto o acolhimento; percebo os vazios. Se há flutuação tônica, há movimento; se há vazios, há espaços para dançar, dançar por dentro. Ouço a música que toca dentro de mim e danço em sintonia com os ritmos e melodias internos.

Iluminando e Integrando

Sim! Com o tônus equilibrado foco meu centro (pelve, centro da bacia), eixo vertebral e cintura escapular. Tudo no corpo vai entrando no lugar – as articulações se reposicionam, a coluna recupera as curvas anatômicas e fisiológicas e o empilhamento das vértebras entra em alinhamento.

A qualidade do tônus, conquistada no centro, espalha-se e ilumina espaços e caminhos internos. Quando o tônus justo (nem muito alto, nem muito baixo) se propaga por todo o corpo, rompo barreiras físicas, me alargo e me engrandeço, encontro e sinto o espaço radiante – o campo de energia que me envolve.

Toco o manancial de vida que ressoa dentro de mim e mergulho na dança da vida que pulsa em mim e no universo.

Foto: https://pin.it/7bO4mjjgr Pinterest

Quando o gesto se torna uma dança? Quando o gesto se torna poesia?

J’ai tendu des cordes de clocher à clocher; des guirlandes de fenêtre à fenêtre; des chaînes d’or d’étoile à étoile. Et je danse.

Eu estendi cordas de campanário à campanário; guirlandas de janela à janela; correntes de ouro de estrela à estrela. E eu danço.

Illuminations, Arthur Rimbaud

Avançando na trilha da investigação do tônus, retomo o artigo anterior e sigo as suas pegadas.

Afinar o tônus é encontrar o tom, a tonalidade, o ritmo, a melodia, a poesia. Minha tonicidade contagia o outro; o outro me contagia com a sua tonicidade. Eu sou a afinadora, a compositora e a executora de uma obra sinfônica. E de repente me percebo como uma maestrina conduzindo a sinfonia de minha vida; sinto-me vivendo a vida como uma grande obra de arte. Sou arte, sou poesia.

Sinto que o gesto se torna poesia quando permito com que o movimento nasça dos ossos, da musculatura profunda, esquelética.  

Experimento, primeiramente com os olhos fechados, deixar-me expandir por dentro como uma flor ao abrir suas pétalas. Quando a abertura dos espaços no interior do corpo acontece em sua totalidade e integralidade, o contato consciente comigo mesma se estabelece e a tonalidade tônica dos tecidos (ossos, músculos, fáscia, pele, fluidos….) alcança um equilíbrio, equilíbrio dinâmico. E, então, danço por dentro de mim mesma.

É esse o território do gesto e movimento orientados, conscientes e presentes; do movimento expressivo e criativo; do fazer artístico; da vida como obra de arte.

E, então, eu danço.

Imagem: https://pin.it/pEIeJsJdG Pinterest

Contemplo o desabrochar da flor. Deixo florescer.

Fonte do vídeo: Flor de Lótus https://pin.it/5q8rVDOur Pinterest

Inspirações

INSPIRAR. EXPIRAR. RESPIRAR. INSPIRAÇÕES.

“Só ela ouvia música; aliás, era ela que escolhia, mentalmente, as músicas que ouvia, ouvia secretamente essas músicas.

E dançava com essas músicas; dançava com os olhos, com movimentos de cabeça, com os braços.

Podia estar a ouvir pessoas e estar, ao mesmo tempo, a dançar essas músicas.

Dançava; às vezes, por dentro de si mesma.”

Armando Baptista-Bastos.

Art by Pinterest ( stanleyrosemandance.com )

Um convite ao cultivo da arte e da beleza

Tenho sido chamada a focar a beleza, olhar para a beleza e propagá-la. Esse olhar não é recente; vem de longa data; vem de um percurso que me arremessou à busca da beleza desde criança, desde a adolescência. Começou e permaneceu por anos como um sussurro, a seguir como uma orientação de meu caminho pessoal e agora grita para se revelar, transluzir.

Gosto muito de uma frase de Lucia Helena Galvão que assinala que a “Beleza é a Vida que conseguiu se impor sobre a forma“. Essa influente filósofa, escritora e educadora tem um vídeo – entre muitos outros bastante interessantes – que trata dos conceitos de beleza. Nesse vídeo ela parte da ideia de que a Beleza está nos olhos de quem busca ver (e não nos olhos de quem vê). “A Beleza está embutida em cada coisa; cada coisa, ao existir, guarda um pouco do seu Ser e no Ser de cada coisa existe a sua parcela de Beleza“.

Quando se entende “a Beleza como a Vida em plena expressão na matéria“, beleza e vida vêm acentuadas com um b e um v maiúsculos.

É assim que entendo e busco a beleza – beleza das formas, beleza da matéria, beleza do gesto e do movimento, beleza da fala e da escrita. O corpo pode ser pura poesia, o movimento pode ser pura poesia; a fala, a escrita, a expressão gráfica e plástica podem ser poéticas, belas. Cabe a nós, em nosso processo de desenvolvimento pessoal e expansão da consciência – em nossa jornada de busca, se este for o caminho escolhido -, despertar e revelar a Beleza.

E assim, seguir pela vida semeando poesia, semeando beleza.

Inauguro aqui uma série de postagens que, no meu sentir, evocam a Poesia, evocam a Beleza. Convido-o, convido-a a saborear esses posts.

O Nascimento de Vênus, de Botticelli, Arte via Pinterest

Corpo-Máquina e Corpo Vivo

Algumas palavras sobre as dinâmicas de educação do movimento e coordenação motora

As duas principais inspirações de meu trabalho em educação do movimento vem de um método criado pela osteopata e fisioterapeuta belga Godelieve Denys-Struyf e de uma proposta de desenvolvimento motor formulada pelas fisioterapeutas francesas Marie-Madeleine Béziers e Suzanne Piret.

  • O que é o Método Cadeísta GDS?

Com Madame Godelieve aprendi a ler o que o corpo diz e a encontrar o terreno de predisposições. O método das cadeias musculares e articulares GDS traz as pistas para uma leitura psicocomportamental a partir das formas do corpo e da orientação postural – ou seja, a partir da investigação do grau de ativação e de tensão de certas cadeias musculares. Essas pistas vão revelando, no decorrer de uma série de sessões, informações sobre a constituição inata de cada um e sobre aquilo que resultou dos conteúdos adquiridos no decorrer da existência do indivíduo. A combinação dessas duas categorias de informação irá circunscrever um terreno de potencialidades, tendências e predisposições que será então trabalhado de acordo com as singularidades e auto descobertas de cada um.

  • Um pouco sobre o método de coordenação motora de Piret&Béziers

Com Madame Béziers aprendi que o corpo em movimento segue um princípio de organização fundamental que modela nossa anatomia – gestos e movimentos de base, anatômicos e também adquiridos modelam o formato de nossos corpos. Aqui, a motricidade humana é vista de uma forma integrada – a dinâmica do movimento, em sua coordenação ou descoordenação, é apreendida em organismos dotados de forma, volume, espaços internos e externos, contornos. A busca é a de resgatar o movimento fundamental, respeitadas as particularidades de cada um, e construir novas possibilidades de movimento – mais harmônicas, integradas, saudáveis.

  • Como são as sessões?

As sessões desdobram-se em diálogos verbais e não verbais, harmonização das tensões musculares, manobras, gestos e movimentos.

Ambas abordagens corporais buscam desenvolver a consciência corporal e a habilidade de realizar movimentos de forma eficiente e saudável, numa dinâmica de reconhecimento dos desequilíbrios posturais e biomecânicos que tendem a causar dores e desconfortos físicos. Ademais, ajudam no aprimoramento da postura, da coordenação motora e da habilidade em realizar atividades diárias. Por último e não menos importante, a combinação das duas abordagens pode beneficiar pessoas de todas as idades e níveis de condicionamento físico, podendo ser utilizada como uma técnica complementar a outras terapias ou como uma prática autônoma para promoção do bem-estar físico e emocional.

O que é Eutonia

A Eutonia é uma pedagogia de conscientização corporal que envolve o equilíbrio, a regulação do tônus. Pode ser praticada em sessões individuais ou em grupo, e pode ajudar a harmonizar a postura estática e dinâmica, a respiração e a mobilidade. Pode também ajudar na prevenção e no tratamento de doenças físicas e mentais.

Este método pedagógico e terapêutico foi desenvolvido nos anos 30/40 do século passado por Gerda Alexander. Gerda nasceu em 1908, na Alemanha e cresceu em uma família que cultivava a música, a dança, as artes em geral. Decidiu, desde cedo, seguir os estudos no campo das artes, da música, da dança, do movimento. Porém, aos 16 anos sofreu uma violenta febre reumática que resultou em uma grave doença cardíaca – a endocardite. Aconselhada pelos médicos, ela deveria movimentar-se o mínimo possível para preservar seu ritmo cardíaco e sua respiração; do contrário, seu coração não resistiria. Essa orientação médica levou-a a criar formas de movimento que lhe possibilitassem um gasto mínimo de energia, o que resultou no início da construção de um método pedagógico, terapêutico e de cuidado corporal voltado a busca do uso adequado do tônus muscular na ação cotidiana. Assim, nascia a Eutonia.

Em 1940, já morando na Dinamarca, fundou em Copenhagen a escola onde desenvolveu sua pesquisa baseada na qualidade do movimento com economia de esforço e uso adequado do tônus muscular nas mais variadas situações cotidianas. Em 1957 o método foi por ela denominado de Eutonia. A palavra eutonia – palavra de origem greco-latina – significa tensão em equilíbrio; harmonia entre as tensões que coexistem no corpo (do grego eu: bom, harmonioso e do latim tônus: tensão).

Segundo Gerda Alexander:

…existem várias maneiras de definir o tônus, segundo diferentes autores e disciplinas…Os psicofisiológicos definem o tônus como “a atividade de um músculo em repouso aparente”…O tônus encontra-se em todo organismo vivo e tem, em condições ideais, um nível homogêneo em todo o corpo. Aumenta com a atividade e diminui com o repouso. Todos sabemos que uma criança parece mais pesada de ser levantada dormindo do que estando acordada. Seu peso real continua inalterado, porém a densidade do corpo se altera de acordo com o nível de tônus. É preciso mais energia para movimentar um corpo mole e relaxado do que um outro tenso e tonificado. (Eutonia: um caminho para a percepção corporal. 1983, 12).

Um dos principais benefícios da Eutonia é a promoção de ajustes musculares. Esse método orienta o aluno/paciente a reconhecer as tensões musculares excessivas ou insuficientes e a trabalhar em sua regulação, o que pode reduzir dores e desconfortos musculares. Ademais, baseia-se na ideia de que o corpo humano tem a capacidade de se autorregular e de encontrar seu próprio equilíbrio desde que tenha condições adequadas para isso.

A disciplina consiste em uma série de exercícios, toques ou auto-toques e práticas que despertam e desenvolvem a percepção corporal e a consciência das tensões e seus desequilíbrios: tato consciente; consciência dos ossos; espaço interno e volume corporal; contato consciente consigo mesmo e com o outro; reflexo postural; movimento eutônico.

Mas, para além do tônus muscular, as vivências eutônicas contemplam também camadas mais profundas do ser humano; camadas que tocam o tônus mental e psíquico. Nas palavras de Gerda:

A Eutonia propõe uma busca, adaptada ao mundo ocidental, para ajudar o homem de nosso tempo a alcançar uma consciência mais profunda de sua realidade corporal e espiritual, como uma verdadeira unidade. Convida-o a aprofundar essa descoberta de si mesmo sem se retirar do mundo, mas ampliando sua consciência cotidiana, permitindo-lhe liberar suas forças criadoras, possibilitando-lhe um melhor ajustamento a todas as situações de vida e um enriquecimento permanente de sua personalidade e de sua realidade social. (Eutonia: um caminho para a percepção corporal. 1983, 9).

A Eutonia pode ser praticada por qualquer pessoa, independente da idade ou habilidade física. Pode ser praticada em casa ou em um ambiente de ensino e/ou terapia, e pode ser uma alternativa ou um complemento a outros tratamentos médicos. Se está procurando uma maneira de melhorar sua saúde e bem-estar, esse método sempre será uma opção viável e eficaz para você.


Algumas Reflexões e Insights no “Reflexões”

Como terapeuta transpessoal, eutonista e educadora do movimento, passei anos me trabalhando e trabalhando com pessoas que desejam melhorar a qualidade de suas vidas – seja através da consciência corporal, gestual e motora; seja através do diálogo e da meditação. Algo que aprendi e continuo aprendendo é que as auto-descobertas sobre a integração corpo-mente são fundamentais para a saúde e o bem-estar.

O grau de consciência de que somos uma totalidade composta de várias camadas – desde as mais sutis até as mais densas – reflete-se na relação de nossos pensamentos e sentimentos com as sensações, bem como no modo como lidamos com o auto cuidado e com a percepção e organização do corpo no espaço. O grau e tipo de interação entre as várias camadas de nós mesmos desempenham um papel crucial na forma como nos sentimos, pensamos e nos comportamos. Sustentar a consciência dessa dinâmica em nossas vidas cotidianas resulta em corpos mais harmônicos, equilibrados e auto-regulados e, consequentemente, no desenvolvimento da capacidade de expressar nossos pensamentos, sentimentos e necessidades com mais autenticidade e espontaneidade.

Em minha experiência, percebo que os desdobramentos do contato consciente com o corpo são: mais saude e bem-estar, e maior criatividade e perspicácia para lidar com os desafios que a vida nos apresenta.

Após uma sessão, após uma vivencia, sinto que o trabalho permanece ao longo do dia: manifesta-se numa fala mais sensível, num encontro mais aberto e verdadeiro, num olhar mais amoroso diante de uma situação, num modo mais atento e cuidadoso de como vou criando a minha realidade. O trabalho revela-se mesmo que não seja chamado: resvala pelos poros e insinua-se nos detalhes. Simplesmente acontece.

E então, vou me percebendo deixar fluir na vida, sem resistência, caminhando mais desperta rumo ao desconhecido.